quarta-feira, 2 de maio de 2012

"O peso e a leveza"

"Em todas as línguas derivadas do latim, a palavra compaixão forma-se com o prefixo "com" e a raiz "passio" que, na sua origem, significa sofrimento. Noutras línguas, como, por exemplo, em checo, em polaco, em alemão, em sueco, a palavra traduz-se por um substantivo formado por um prefixo equivalente seguido da palavra "sentimento" (em checo: sou-cit, em polaco: wspl-czcie (...))
Nas línguas derivadas do latim, a palavra compaixão significa que ninguém pode ficar indiferente ao sofrimento de outrem; ou, de outra maneira: sente-se sempre simpatia por quem sofre. Ter piedade de uma mulher é sermos mais favorecidos do que ela, é inclinarmo-nos, baixarmo-nos até ela.
(...)
Designa um sentimento considerado como de segunda ordem e que não tem grande coisa a ver com o amor. Amar alguém por compaixão é de facto não amar essa pessoa.

Nas línguas em que a palavra compaixão não se forma com a raíz "passio = sofrimento" mas com o substantivo "sentimento", a palavra é empregue mais ou menos no mesmo sentido, mas dificilmente se pode dizer que designa um sentimento mau ou medíocre. (...) Ter compaixão é poder viver com o outro não só a infelicidade mas sentir também todos os seus outros sentimentos: alegria, angústia, felicidade, dor. Esta compaixão (no sentido de soucit e wspolczucie) designa, portanto, a mais alta capacidade de imaginação afectiva, ou seja, a arte da telepatia das emoções. Na hierarquia dos sentimentos, é o sentimento supremo."



Kundera, Milan - A insustentável leveza do ser